sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Contribuição do Leitor: Luís Gustavo Rampazo - Casamento de Espanhol

Quem disse que não é possível fazer registros incríveis com mau tempo?! O nosso leitor e contribuidor Luís Gustavo Rampazo enfrentou as forças da natureza para conseguir belos registro do Boeing 737-800, matrícula PR-GUF, da GOL aproximando e pousando na pista molhada do Aeroporto de Londrina e escreveu um relato de como foi registrar esse momento:

Casamento de espanhol

Quando bate aquela “fissura” para fotografar e você percebe que está imerso em um Janeiro de índices pluviométricos amazônicos, talvez não seja má ideia sair da “zona de conforto” e fazer algumas apostas com a meteorologia. Ainda que aqui na região o mundo esteja desabando diariamente ao final da tarde com pontualidade digna de um britânico “chá das cinco”, vez ou outra o sol tem conseguido encontrar breves frestas por entre o bloqueio nebuloso de modo a nos direcionar alguns belos feixes de luz momentos antes de mergulhar no horizonte. E foi por fiscalizar algumas vezes por dia as condições meteorológicas que vislumbrei uma pequena chance naquela tarde.

Cheguei à pracinha do Tiro de Guerra por volta das 17:40h para tentar registrar os voos daquele fim de tarde. O vento vinha firme de Oeste-Noroeste, eu sabia que ele não iria mudar de direção e, por conta disso, eu também sabia que os pousos se dariam todos pela cabeceira 31. Diante daquele céu carregado, a minha aposta era que, caso o sol encontrasse alguma brecha durante o breve instante de algum pouso, estaria estabelecida então uma condição de luz muito boa. Desci pela avenida até pouco depois do campinho de futebol do Tiro de Guerra, avistei o ATR chegando, porém mantive os ânimos totalmente refreados: uma grande nuvem escura sombreava tudo em um raio de uns 500m à minha volta. E eu, que já estava com “aquela” condição de luz determinada na cabeça (o sol por detrás, assunto iluminado praticamente de frente, quantidade de luz suficiente para um diafragma não tão desesperadamente aberto e também para fugir de ruído em pós-processamento, bem como para proporcionar velocidade rápida no obturador a fim de “congelar” a ação, “highlights” quiçá em tons dourados, uma “barriga” iluminada durante o flare para gerar boa textura nos detalhes, sombras advindas de um contraste satisfatório para delinear contornos e volumes, etc.), apenas constatei que “não foi dessa vez” e assisti ao pouso sem nem ao menos descruzar os braços.

Até a próxima movimentação, não havia o que fazer a não ser esperar. Voltei para a pracinha e me pus a monitorar as nuvens, firme na torcida para que algum espaço surgisse entre elas e sincronizasse com o momento de algum pouso. A Oeste, a coisa toda até que parecia promissora, porém a Noroeste uma grande formação se avolumava e escurecia cada vez mais. Nesse meio tempo, inclusive pude ver um pequeno Cessna taxiar até a cabeceira 31, aguardar um longo tempo e abortar a decolagem por conta do vento absurdo que já entrava. E não demorou para que uma nuance “leitosa” começasse a se infiltrar em meio aos prédios do horizonte na direção daquela grande nuvem. A chegada dos primeiros pingos ali na pracinha levou apenas alguns minutos. Essa era a parte de minha aposta que eu até havia “previsto”, porém confesso que não queria muito enfrentar: a chuva. Minha bicicleta iria se molhar, mas tudo bem, eu só precisava cuidar de minha mochila. Fiquei um tempo ali atrás da cheirosa figueira-de-jardim, mas logo vi que precisaria de uma cobertura com menos espaços vazios para me proteger e a única opção era o teto do ponto de ônibus. Mas a chuva vinha de modo tão “horizontal” (caramba... que vento!) que eu precisei ficar de pé no banquinho do ponto para conseguir resguardar pelo menos do peito para cima. E foram mais alguns longos minutos assim. Paciência... Para minha surpresa, de repente escuto um barulho, olho por cima do ombro direito e vejo o topo e a cauda do E-Jet “Verão Azul” já finalizando o pouso. Mas... em meio àquela tormenta? Como assim?!? Ok, ok... os pingos de chuva não eram assim tããão grossos e pesados (já vi muito piores), mas aquele vento... uau... Bom, o que eu podia fazer era tão somente “aplaudir mentalmente” o piloto daquele voo. Sério. Parabéns.

Por sorte, depois de um tempo (e de tanto o vento soprar...), as coisas começaram a mudar novamente. A linha do horizonte Oeste-Noroeste começou a dar sinais de reaparecer em meio a uma claridade que aumentava gradativamente. O ventou deu uma leve amenizada e a chuva também enfraqueceu. Eu sabia que havia um A320 e outro B738 chegando ainda naquele final de tarde, porém era muito provável que eles sofressem alteração de horário, mas eu não conseguiria checar tais informações naquela situação. Quem apareceu, a Leste, foi o arco-íris. Duplo, por sinal. E contra o céu bem escuro que havia passado, um contraste bem interessante. Ou seja, olhando a partir da pracinha, era fato que o sol já começava a brilhar para os lados do pátio do aeroporto. Era só uma “garoa forte” que teimava em persistir. E eu rangendo os dentes (e xingando) para que ela fosse embora de maneira definitiva até que, em uma nova olhada para o Leste, lá vinham dois pontos de luz: um mais adiantado e outro mais atrás. Era o momento de decisão: ir ou ficar?

A garoa ainda era “real”. Aparentava de toda maneira que iria passar dali a... sei lá... menos de um minuto. Mas não passava! E eu não tenho daquelas caixas estanques (de mergulho) para proteger a câmera da água. Vai, não vai... Sair dali do ponto, pegar a escadinha junto à bicicleta, correr para o muro em meio ao barro... Já haveria luz suficiente?... Vai, não vai... 15, 20 segundos de hesitação... Fui... Rua, trânsito... 2, 3 carros, atravessa, grama, barro... Era o A320, já quase passando o muro do fim da pista. Procura lugar para colocar a escadinha, abre, trava, sobe os degraus com pé de barro, cuidado com o arame farpado, ficando de pé já com uma das mão a abrir a mochila... e... não deu tempo... Ele já pousava. Tocou a pista, ela ainda estava absoluta e completamente coberta de água e o trem de pouso frontal era tal como uma lancha veloz a rasgar a superfície de um rio caudaloso. Os dois véus laterais de água, simétricos em “V”, chegavam à altura das asas. Uma fração de segundo e o acionamento do reverso fez abrir aquelas quatro lindas “pétalas” em cada um dos motores CFM, o que jogou para cima uma quantidade de água ainda maior e mais assustadora por conta da turbulência gerada. Junto ao rugido ensurdecedor, aquela visão foi de amolecer as pernas. Meu queixo deve ter caído e minha mão ficou ali parada, sem ao menos abrir a mochila durante todo o pouso. Congelei... Bom, vale notar que este A320 não tinha sharklets. Mas tudo bem, pelo incrível show proporcionado pelo pouso eu até aceito dar um desconto por esse “pecado estético”.


A seguir, pisquei algumas vezes e me toquei que o B738 já vinha chegando (foto acima). E eu atrasado, sem nem tirar a câmera da mochila ainda. Uma garoazinha beeem leve teimava em cair, mas... ah... dane-se! Vira de costas, liga, tampa da lente, ajusta diafragma, ISO, dá uma enquadrada... caramba, já “tem” sol, mas ainda está um pouco escuro... sobe ISO, abre diafragma (droga!), foco no AI-SERVO, zoom, enquadra, prende a respiração, endurece e aperta os braços nas costelas, click-click-click-click-click!!!... click... click... maldito buffer curto!... zoom out… click... click... ufa, respira... Desliga, tampa da lente, mochila, escadinha, pracinha. Alguns picões a retirar das meias e dos tênis. Mais alguns minutos até que os carros formem um trilho um pouco seco no asfalto. Um gole d’água, mochila e escadinha nas costas. E pedal de volta para casa.




De noite, ao fuçar nas fotos no PC, vejo que a câmera “cravou” o foco em umas 3 ou 4 delas. Nas tantas outras ela deu uma “errada”. Arrisco dizer que foi por conta de uma certa ausência de contraste, devido à garoa, que atrapalhou a focagem. E penso em como seria se eu não tivesse hesitado aqueles 20 segundos, de modo a ter conseguido registrar o pouso do A320. Caramba... a quantidade de água levantada foi tão assustadora!... Mas a garoa que ainda caía... Será que eu teria conseguido cravar o foco? Não sei.  Pelo menos eu testemunhei com meus olhos. E só sei que, de agora em diante, eu perdi o “medinho da chuva” e vou ficar espertíssimo em toda vez que se formar alguma “cortina de tempestade passageira com o sol atrás”, tal como nesta oportunidade. Pena que eu sei que será algo raríssimo. Mas também sei que é imperdível.

=)


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NOTA - Casamento de espanhol: Antigo trocadilho "Sol e chuva, casamento de viúva. Chuva e sol, casamento de espanhol"

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